Interpretação de Desenho animado | Pica-pau + Chilly Willy
Quem é que nunca assistiu aos desenhos animados do Pica-pau e sua turminha? Quem não conhece o Leôncio e o Chilly Willy? Esse então é aquele pequeno pinguim tão inofensivo, tão fofinho, não é? E o Leôncio? Aquele cara estressado e bobão que vive em “pé-de-guerra” com o pica-pau espertalhão…
De fato são personagens que marcaram a infância de muita gente, inclusive a minha, e ainda hoje continuam fazendo o passatempo da criançada. Mas, por que vim falar desses desenhos? Aconteceu que no Domingo passado, meu pai tava procurando alguma coisa pra assistir na TV e parou no canal da rede Record, o qual transmitia um episódio do Pica-pau. Na verdade era mais de um episódio e neles os personagens principais eram Leôncio, Pica-pau e o pinguinzinho Chilly Willy
A princípio eu nem estava prestando atenção no programa, mas, como quem não quer nada, parei e comecei a observar o desenho e foi aí, então, que coisas muito sutis começaram a chamar minha atenção….e confesso que fiquei admirada de ter visto essas coisas em desenhos tão antigos.
Dias depois consegui encontrar esse episódio no YouTube e deixarei o link dele aqui pra você assistir e entender melhor do que irei falar:
https://youtu.be/cQs4vPJrNls?feature=shared
No primeiro episódio (Nado sincronizado), os protagonistas são o Pica-pau e o Leôncio e, apesar deles sempre se desentenderem, dessa vez eles estão juntos em uma situação na qual são “vítimas” de uma megera.
Essa megera é uma professora de nado sincronizado para vacas. Isso mesmo. As alunas são belas vacas muito talentosas e eficientes na arte do nado sincronizado. Mas por que eu digo que a professora é uma megera? Porque ela tem um comportamento bem típico de bruxas de desenhos animados, até a aparência dela remete a isso. Veja bem: não tô dizendo que mulheres com a aparência como a dela são bruxas. Quero dizer que pelo que conheço dos desenhos animados, existe um padrão físico e comportamental de personagens bruxas e vilãs.
Pica-pau e Leôncio resolveram, então, fazer aula de nado sincronizado. Não sei exatamente se decidiram fazer isso porque queriam aprender a arte, ou se seria um pretexto pra mergulhar na piscina, pois o dia estava muito quente.
Quando eles chegam na beira da piscina – já devidamente uniformizados com a roupa de banho rosinha igual a das vacas – começam a testar a temperatura da água, mergulhando a ponta dos pés na piscina. Preste atenção nisso, porque é algo que chamou minha atenção e falarei o que interpretei.
Enquanto isso a professora – que mostrava claramente ser uma mulher chata, exigente, insensível e impaciente – estava frenética e agitada…louca para iniciar a avaliação. Ela viu que Pica-pau e Leôncio estavam de enrolação pra começar a aula, então imediatamente ordenou o início do teste: “Vamos, meninas!”
Quando ela disse isso, mais uma vez minha “antena” apitou (risos). Peraí, ela disse “meninas”. Preste atenção nisso também, porque irei comentar daqui a pouco.
Enfim. Esses dois fatos pontuais, que mencionei, me chamaram a atenção para algo muito sutil e aparentemente inocente, mas que se analisados a fundo, têm um significado estratégico.
Como se trata de um desenho animado, tem muita ficção e coisas (conceitos, vocabulários, tratamentos) que acabam passando batidas… mas, e se não fosse um desenho animado? Se aquilo que aconteceu no desenho tivesse acontecido com pessoas reais, será que a gente continuaria achando algo normal e aceitável?
Vamos à análise então.
● Por que Pica-pau e Leôncio se vestem com roupas femininas? Se existe roupa de natação para homens, qual a necessidade deles usarem a mesma roupa que as “vacas nadadoras” usam? Parecia ser algo super normal e eles não se incomodaram em nenhum momento com aquilo. Como homens foi estranho não sentirem nenhum desconforto usando roupas delicadas e femininas. |Você vai me dizer que Pica-pau é um animal e não um homem, mas, na ficção, ele é a figura do masculino e todo mundo sabe disso. A partir do momento que você têm, nos desenhos animados, personagens representando ou o masculino ou o feminino, fica muito evidente quando eles se comportam como o gênero oposto.
Mas, é aquilo que eu disse, né…quando se trata de desenho animado, as pessoas não percebem muito essas incoerências, de um homem usando roupa de mulher, por exemplo. Se tem adulto que não percebe, as crianças então é que não vão perceber mesmo porque é normal que elas vejam o mundo da fantasia/ficção como algo natural, e é por isso que os adultos responsáveis – os pais – precisam ensinar aos seus filhos que o desenho mostra uma coisa que, na verdade, deveria ser vista como algo estranho.
E não me venha falar de preconceito, porque a curiosidade sobre esse assunto só deveria ser estimulada nas crianças anos mais tarde. A verdade é que muitos desenhos animados não respeitam a fase de desenvolvimento infantil. Já querem normalizar pra elas aquilo que é parte do mundo dos adultos. E outra coisa: os desenhos não respeitam a educação que os pais dão aos filhos, pois ensinam às crianças coisas que nem sequer os pais mencionaram pra elas. Isso é ou não passar por cima da autoridade dos pais, de forma sutil e disfarçada de entretenimento?
E se você me disser “Ah, mas o mundo sempre foi assim, e as crianças acabam convivendo com essa realidade “, digo a você que o mundo não é obrigado a ser assim e se ele é, foi porque muitas pessoas se acomodaram e resolveram abaixar a cabeça pra mídia que burla a autoridade dos pais sobre os filhos, ou seja, o mundo é assim porque muitos foram negligentes na educação dos filhos e agora que eles já são adultos, terão filhos e farão a mesma coisa que seus pais fizeram. E assim muitos conceitos errados se tornam normais e culturais.
● Por que a professora chama o grupo de “meninas”, se ela sabe que Pica-pau e Leôncio estão no grupo? Aí você vai me dizer que ela faz isso porque os “princesos” estão vestidos de roupas femininas. Sim, é essa a intenção do desenho: mostrar que não faz diferença se um homem veste roupa de homem ou de mulher. Se ele veste roupa feminina ele pode ser chamado de mulher, sem problemas. O desenho ensina que o gênero não tem valor algum e que todos podem ser o que quiser: homem ou mulher, menino ou menina. O Pica-pau e o Leôncio resolveram, naquele dia, ser meninas que praticam o nado sincronizado. Hoje nós vemos uma sociedade na qual homens vestem roupas femininas e são vistos como mulheres. Que coincidência, não?
É o que eu disse: desenhos animados (e até filmes e novelas) tem o poder de criar culturas e influenciar a forma de pensar.
● Você reparou no comportamento da professora de natação? Eu havia dito que ela é uma megera, chata, impaciente, mas além disso, ela se assemelha ao que? Será que ela seria o estereótipo de uma mulher feminina? Perceba que ela dá aulas para vacas (que no desenho representam o feminino), mas ela não se comporta de forma feminina.
A meu ver, essa professora tá mais pra masculinizada do que pra feminina. Ela tem todas as características de uma mulher nada feminina. E quando digo isso, não estou me referindo a orientação sexual, necessariamente. Pode até ser, mas, a princípio, o que eu interpretei da personagem foi uma mulher que é grosseira, mal cuidada, sem vaidade, ranzinza, estúpida, sem trato, sem gentileza, etc. Ou seja, uma mulher problemática e que não se ama. Quem sabe isso explica o fato dela achar normal Pica-pau e Leôncio vestidos de mulher? Pois uma mulher realmente feminina e saudável vai saber respeitar o gênero do outro. Chamar um homem de mulher ou vice-versa é não respeitar o gênero da pessoa.
Outra coisa é que a ciência explica que quando a mulher está em equilíbrio, ou seja, vivendo na sua polaridade feminina, ela é menos estressada, menos grosseira, mais empática, mais respeitadora, menos precipitada, menos histérica. Isso porque quando ela é menos racional (e mais emocional sem dramas), ela é mais leve e mais mulher. E é aí que ela é mais forte. Sim, a verdadeira mulher empoderada não é aquela com características comportamentais masculinas, mas sim, aquela que vive sua feminilidade de forma saudável e equilibrada.
Bom, acho que falei o que eu queria falar. Essa foi a minha interpretação do primeiro episódio do desenho. A seguir falarei sobre o Chilly Willy!
Sobre o segundo episódio, temos o pequeno pinguim em um quartel aprendendo a ser um recruta. No início parecia que ele era um inocente, que fazia tudo errado por ignorância mesmo, mas a medida que a estória vai se desenvolvendo, dá pra perceber que ele é um baita de um oportunista, malandro e egoísta. Parecido com o Pica-pau, porém aparentando mais ingenuidade.
Nesse episódio o protagonista ensina que vale a pena prejudicar os outros para satisfazer suas necessidades, como dormir, por exemplo. Em todo o tempo, o pinguim olhava as oportunidades como possibilidade dele deitar e dormir, ao em vez de assumir suas responsabilidades. E pior que isso foi o final, quando ele quase deixou o seu superior morrer, e quando ele foi promovido a uma patente maior. E o que aconteceu com o superior dele? Foi preso! Preso injustamente, pois quem provocou o problema foi o pinguinzinho preguiçoso e inocente. Conclusão: a criança aprende que vale a pena passar por cima dos outros dando uma de sonsa, e além de realizar suas próprias vontades ela toma o posto/ lugar do outro. O errado passa a ser certo, e o certo passa a ser errado.
Agora, cá para nós…pra quê ensinar isso a uma criança? É por isso que mais uma eu vez eu digo, que os pais e responsáveis precisam ficar de olho no conteúdo que suas crianças (e adolescentes) consomem! Se você notar algo estranho e incoerente no desenho animado, fale pra criança. Não deixe personagens fictícios educarem os seus filhos. Se você não concorda e não faria aquilo que os personagens fazem, não fique calado. E se você faz aquilo que eles fazem, saiba, pelo menos, que eles tem o direito de aprender a fazer diferente de você. Não se esqueça de que nesta vida, quem planta colhe e você pode acabar pagando muito caro por permitir que seus filhos aprendam valores invertidos.
—–por Prila Fernandes (Escritora e Psicopedagoga clínico-institucional)
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